O menino grávido
Em um tempo muito distante, nas terras do povo xhosa, havia um
homem e uma mulher que se amavam apaixonadamente. No início da primavera, eles
se casaram e deram uma linda e colorida festa que agitou a comunidade.
Depois de alguns anos os dois desejavam muito ter um filho ou uma filha
que os alegrasse. Mas a criança não chegava. Então eles decidiram ir ao
encontro de um famoso Sangoma, que morava na floresta.
─ Pai Sangoma, você pode nos ajudar a ter um filho?
O velho e sábio Sangoma era conhecedor dos mistérios das plantas de toda
a floresta e da cira de muitas doenças de corpo e de espírito.
─ Sim, eu posso ajudá-los, mas desde que vocês façam tudo como eu
explicar.
Eles concordaram imediatamente e prestaram muita atenção nas palavras do
sábio.
─ Vou entregar a
vocês quatro raízes de plantas sagradas que vivem nesta floresta. Quando
chegarem em casa, vocês devem separá-las em dois montes. O primeiro monte
deverá ser aquecido na fogueira, o segundo, colocado com água em uma garrafa. A
mulher deverá mascar o primeiro monte de raízes e, no dia seguinte, beber água
das raízes do segundo monte.
E o sábio entregou as quatro raízes embrulhadas em um pequeno pedaço de
pano, dizendo:
─Em troca, quero que vocês me deem um boi logo depois do nascimento da
criança.
O casal concordou e agradeceu muito ao Sangoma. Partiram imediatamente
para sua aldeia. Chegando lá, fizeram tudo como ele havia explicado. A mulher
ficou grávida. Nove meses depois nasceu um lindo garotinho de olhos grandes e
choro forte. Os pais ficaram tão felizes e envolvidos com os novos afazeres,
que esqueceram completamente da promessa de enviar o boi para o sábio da
floresta.
O menino foi crescendo. Quando estava chegando a adolescência, seus pais
decidiram que era hora de ter mais um filho. Resolveram, então, voltar à
floresta e pedir mais raízes ao Sangoma.
─ Como vocês chegam aqui e me pedem mais raízes sem ter entregado o boi
que eu pedi? Vocês tiveram o que procuravam, mas não cumpriram o acordo.
O pai e a mãe ficaram envergonhados e pediram muitas desculpas para o
sábio. Como eles puderam esquecer?
─ É muito fácil não lembrar daqueles que nos ajudaram depois que
conseguimos o que queremos ─ falou o sábio, bravo.
Eles pediram desculpas mais uma vez e, cabisbaixos, dirigiram-se à porta
da casa do Sangoma para partirem rumo às suas terras.
─ Esperem! Como vejo que não fizeram por mal e se envergonharam do seu
erro eu darei a vocês as raízes depois que entregarem o boi que me devem.
O casal agradeceu e voltou para a sua aldeia. Ao chegarem, imediatamnete
pediram a um amigo que levasse o boi ao velho Sangoma. O amigo voltou com o
recado para que fossem buscar as raízes no dia seguinte.
─ Amanhã temos compromissos aqui na aldeia. Não poderemos nos
afastar ─ disse o pai, preocupado.
─ E se enviarmos nosso filho para buscar as raízes? Ele já tem 12 anos e
o caminho até lá é muito fácil.
O pai concordou com a proposta da mãe. Então, eles chamaram o menino:
─ Você acha que pode buscar as raízes na casa do Sangoma?
─ Claro, pai! ─ e o garoto pulou de alegria. ─ Já
não sou mais criança. Posso ir e voltar bem rápido!
E assim foi. O garoto arrumou sua pequena bolsa e partiu para a casa do
Sangoma. Lá, explicou para o velho sábio que seus pais o haviam
enviado para buscar a encomenda. O Sangoma entregoulhe as quatro raízes
cobertas por um pano e pediu que o menino alertasse os pais para que fossem
muito cuidadosos na preparação delas.
─ Não se preocupe. Tudo vai dar certo! ─ e o menino agradecu
ao Sangoma e partiu para casa.
Quando estava no meio do caminho, a curiosidade foi tão grande que ele
não aguentou. Abriu o pano e olhou atentamente as quatro raízes.
─ Acho que não vai ter problema se eu experimentar só um pedacinho!
E mordeu o pedaço da primeira raiz, muito doce e suculenta. O gosto era
tão bom que ele resolveu experimentar mais um pedaço. E depois outro e mais
outro. E assim foi, até que não sobrou mais nada das duas raízes doces. Então
experimentou as outras duas, mas elas eram tão amargas que ele as cuspiu no
chão.
Foi quando ele percebeu o que fizera.
─ E agora, o que vou falar? Só sobraram duas raízes!
Com medo de que sua mãe e seu pai ficassem muito bravos, o menino
resolveu não contar a verdade quando chegasse em casa. “ Tomara que essas duas
raízes que sobraram sejam suficientes para minha mãe engravidar “ , pensou o
garoto.
Logo que o menino chegou em casa, a mãe pediu para ver as raízes:
─ Que estranho, da outra vez eram quatro raízes e agora são só duas... O
Sangoma explicou alguma coisa para você?
─ Não, mãe, ele não disse nada. Só falou que a senhora deve aquecer esta
raiz na fogueira e depois mascá-la. Ea outra deve ser colocada dentro de uma
garrafa cheia de água. No dia seguinte, a senhora deve beber a água.
A mãe e o pai não desconfiaram de nada e fizeram tudo como o menino
explicou. Mesmo assim passaram-se os meses e a mãe não engravidava.
Mas o menino... Ele começoua engordar, a engordar, e os seus peitos
passaram a crescer, a crescer, ficando cada vez mais doloridos. Sua barriga foi
ficando grande e ele sentia como se tivesse alguém morando lá dentro. No quarto
mês, o garoto percebeu que esse “ alguém ” começou a se mexer muito.
“ Acho qe estou
grávido ” , constatou, desesperado. “ O que eu faço agora? Como vou dizer aos
meus pais? E os meus amigos? Todos vão rir de mim! ”
Ele tinha tanta vergonha, quee não contou seu segredo para ninguém.
Tinha vergonha de ter mentido para seus pais. Sua família não desconfiou,
porque alguns primos do menino haviam ficado muito magros ou gordos quando
entraram na adolescência. “ Coisas de quem está crescendo ” , dizia o avô.
Um dia, quando ajudava seu pai a cuidar do gado, ele começou a sentir
uma forte dor na barriga, que ia e voltava com uma intensidade crescente.
─ Meu filho, você está bem? ─ percebeu o pai.
─ Pai, preciso ir para casa, deitar um pouco ─ reclamou o menino. ─ Sindo
dores fortes na cabeça e na barriga.
─ Vá e peça para sua mãe um chá bem forte, daquele que ela sabe fazer
tão bem.
E ele foi embora, mas não para sua casa. Foi para o meio da floresta.
Lá, ele cavou um buraco, encheu de folhas e se deitou dentro, como se fosse um
ninho. As dores na barriga foram aumentando e, de repente, um choro auto de
bebê foi ouvido em toda a mata. Havia nascido uma linda e gorducha garotinha!
─ O que eu faço agora com você? ─ falou desesperado o rapaz,
olhando a bebê. ─ O que será de mim? E de você?
A bebê chorava alto e sem parar, mas, quando achou o bico do peito do
menino, começou a mamar com muita fome. Depois de mamar bastante, dormiu um
sono profundo.
O menino, então, saiu correndo para casa, com medo de que seus pais
tivessem dado falta dele. Quando chegou, seu pai já estava na porta para sair à
sua procura:
─ Onde se meteu? Você nos deixou muito preocupados!
O menino mentiu e disse que havia decidido descansar embaixo de uma
árvore e que acabara caindo em um sono profundo.
─ Mas e a dor que você estava sentindo? ─ perguntou a mãe,
assustada.
─ Passou. Acho que foi uma fruta verde que comi ontem ─respondeu o
menino.
E todos foram jantar. O menino comeu como se susa barriga fosse um
buraco sem fundo. Os pais estranharam, mas depois acharam que era coisa de
adolescente, de gente que está crescendo muito rápido.
À noite depois que todos haviam se deitado, o menino se levantou e
correu até a floresta. Tinha de ver a bebê. Ela estava chorando e logo parou
quando começou a mamar no peito dele. Depois, a bebê caiu no sono.
“ Ela é tão linda “ , pensou ele, enquanto a observava dormir. Pela
primeira vez, sentiu que ela era sua filha. Dormiu abraçado a ela e, no começo
da manhã, voltou para casa e se deitou na cama antes que sua mãe chegasse para
despertá-lo.
Ao longo do dia, enquanto trabalhava com seu pai, cuidando do gado da
família, ele sempre inventa um motivo para correr até a floresta e amamentar e
cuidar de sua bebê. À noite, quando os pais se recolhiam, ele saia de fininho
para a floresta.
Depois de três dias, a mãe começou a desconfiar que algo estava errado.
Então, quando a noite chegou, ela fingiu que tinha ido dormir, mas ficou
escondida, vigiando o menino. Quando ele se levantou e correu para a floresta,
ela o seguiu. Não acreditou no que viu: seu filho estava amamentando um bebê! A
mãe logo entendeu tudo e resolveu voltar para casa, antes que o menino
percebesse.
No dia seguinte, quando ele saiu com o pai para cuidar do gado, a mãe
correu para a floresta e pegou a bebê. Trouxe-a para casa, banhou-a,
alimentou-a e brincou com ela. Enquanto isso, mais uma vez o menino inventou
uma desculpa para o pai e correu para a floresta para amamentar e cuidar da
garotinha. Quando chegou lá, ficou desesperado. A menina não estava no ninho.
Ele a procurou por toda a floresta. Rezou e implorou aos deuses e aos
antepassados para que eles o ajudassem. Chorou e chorou. Parecia que haviam
arrancado uma parte de seu coração, roubado o seu espírito:
─ Cadê minha filhinha? Cadê?
Já mais nada importava na vida dele, a não ser encontrar a bebê. “ Será
que algum animal a comeu? Não podia ter deixado minha filha sozinha... “
E, assim a noite chegou. E, assim a noite foi embora e o sol anunciou um
novo dia. Ele ainda estava confuso, procurando a bebê na mata, não sabia o que
fazer, não sentia fome nem sede.
No dia seguinte, depois de tanto procurar, arrastando as pernas, ele foi
para casa, disposto a contar tudo a seus pais. Quando chegou, sua mãe segurava
a bebê no colo.
─ Mamãe, você teve uma bebê? ─ perguntou o menino, quase
chorando. ─ Posso segurar? Ela é tão linda!
A mãe ficou em silêncio por um tempo.
─ Sim, meu filho, agora ela é sua irmã. Filha de sua mãe, não mais
sua ─ e olhou carinhosamente para o filho. ─ Esta minha
filha chegou para mim por meio de sua barriga. Assim como outras filhas e
filhos chegam para suas mães por meio da barriga de outras mulheres.
O menino concordou
e começou a chorar.
─ Desculpe, mãe. Desculpe, pai, por não ter contado a verdade. Sinto
muita vergonha.
O pai, comovido com a dor do menino, disse:
─ Sim, meu filho. Sabemos que você lamenta o que ocorreu. Nunca mais
minta para nós em nem tome algo que não lhe pertença.
A partir daquele dia, o menino passou a ter um prazer a mais quando
ordenhava as vacas de sua família. Ele não podia mais amamentar sua menina, mas
o leite das vacas que ele cuidava alimentava sua irmã. E ela se tornava mais
linda e esperta a cada dia, alegrando a todos.
O menino cresceu e se tornou um homem muito sábio e especial, que compreendia
a importância e a beleza de cuidar da vida e de alimentá-la.
A Lenda do
Tambor Africano
Corre entre os Bijagós, da Guiné, a lenda de que foi o
Macaquinho de nariz branco quem fez a primeira viagem à Lua. A história começou
assim:
Nas proximidades de uma aldeia, os macaquinhos de
nariz branco, certo dia, de que se haviam de lembrar? De fazer uma viagem à Lua
e trazê-la para baixo, para a Terra.
Ora numa bela manhã, depois de terem em vão tentado
encontrar um caminho por onde subir, um deles, por sinal o mais pequeno, teve
uma ideia: encavalitarem-se uns nos outros. Um agora, outro depois, a fila
foi-se erguendo ao céu e um deles acabou por tocar na Lua.Embaixo, porém, os
macacos começaram a cansar-se e a impacientar- se. O companheiro que tocou na
Lua nunca mais conseguia entrar. As forças faltaram-lhes, ouviu-se um grito, e
a coluna desmoronou-se.Um a um, todos foram arrastados na queda e caíram no
chão. Apenas um só, só um macaquito, por sinal o mais pequeno, ficou agarrado à
Lua, que o segurou pela mão e o ajudou a subir.
A Lua olhou-o com espanto e tão engraçadinho o achou
que lhe deu de presente um tamborinho.O Macaquinho começou a aprender a tocar
no seu tamborinho e por longos dias deixou-se ficar por ali. Mas tanto andou, tanto
passeou, tanto no tamborinho tocou, que os dias se passaram uns atrás dos
outros e o macaquinho de nariz branco começou a sentir profundas saudades da
Terra e das suas gentes. Então, foi pedir à Lua que o deixasse voltar.
— Para que queres voltar?— Tenho saudades da minha terra, das palmeiras,
das mangueiras, das acácias, dos coqueiros, das bananeiras.
A Lua mandou-o sentar no tamborinho, amarrou-o com uma corda e disse-lhe:
— Macaquinho de nariz branco, vou-te fazer descer, mas toma tento no que
te digo. Não toques o tamborinho antes de chegares lá abaixo. E quando puseres
os pés na Terra, tocarás então com força para eu ouvir e cortar a corda. E
assim ficarás liberto.
O Macaquinho, muito feliz da vida,
foi descendo sentado no tambor. Mas a meio da viagem, oh!, não resistiu à
tentação. E vai de leve, levezinho, de modo que a Lua não pudesse ouvir, pôs-se
a tocar o tambor tamborinho. Porém, o vento soltando brandos rumores fazia
estremecer levemente a corda. Ouviu a Lua os sons compassados do tantã(1) e
pensou:
'O Macaquinho chegou à Terra'. E logo mandou cortar a
corda.E eis o macaquinho atirado ao espaço, caindo desamparado na ilha natal.
Ia pelo caminho diante uma rapariga cantando e meneando- -se ao ritmo de uma
canção. De repente viu, com espanto, o infeliz estendido no chão. Mas tinha os
olhos muito abertos, despertos, duas brasas produzindo luz. O tamborinho estava
junto dele. E ainda pôde dizer à rapariga que aquilo era um tambor e o
entregava aos homens do seu país.
A moça, ainda não refeita da surpresa, correu o mais
velozmente que pôde a contar aos homens da sua raça o que acabava de
acontecer.Veio gente e mais gente. Espalhavam-se archotes. Ouviam-se canções. E
naquele recanto da terra africana fazia-se o primeiro batuque(2) ao som do
maravilhoso tambor.Então os homens construíram muitos tambores e, dentro em
pouco, não havia terra africana onde não houvesse esse querido instrumento.Com
ele transmitiam notícias a longas distâncias e com ele festejavam os grandes
dias da sua vida e a sua raça.
O tambor tamborinho ficou tão querido e tão estremecido do povo africano
que, em dias de tristeza ou em dias de alegria, é ele quem melhor exprime a
grandeza da sua alma."
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